Carreira única já não satisfaz

-Aos 17 ou 18 anos, o jovem precisa escolher que carreira seguir e marcar um “x” na sua inscrição para o vestibular. Mas essa decisão, angustiante para muitos, pode estar se tornando cada vez menos determinante para o futuro profissional. É que especialistas apontam para uma tendência de, hoje, cada pessoa ter, ao longo da vida, pelo menos três profissões ou carreiras distintas. E, embora esse tipo de comportamento seja mais frequente entre a geração Y, também começa a acontecer com representantes das geração X e mesmo dos baby boomers.

— Todas as pessoas podem ter mais de uma profissão ao longo da vida. Viver até 100 anos será algo muito comum nas próximas décadas. A longevidade será, então, um problema, se não nos planejarmos para ter mais do que uma profissão ao longo da vida — acredita Flora Victoria, vice-presidente da SBCoaching.

 

Para o empresário Arnaldo Neto, de 25 anos, fazer várias as coisas ao mesmo tempo é totalmente natural. Dono da empresa de marketing digital Hola Que Tal (HQT), ele também é DJ, dá palestras sobre empreendedorismo e tem um programa de entrevistas pela internet, além de já ter sido produtor de festas.

 

— A minha empresa é a catalisadora de todas essas atividades. Por meio do meu negócio, fui conhecendo pessoas interessantes, que foram permitindo que eu realizasse vários sonhos — afirma Neto, que diz que sempre teve uma angústia por ter vontade de fazer muitas coisas. — Se, antigamente, havia aqueles empregos pré-definidos, como direito, engenharia e medicina, o que gerava uma angústia pela falta de opções, hoje a angústia é pelo excesso de possibilidades. Você fica querendo conhecer tudo.

 

— O mundo de hoje é muito diferente. Essas carreiras respondiam a um sistema que era linear. A partir do momento em que o mundo fica mais complexo, começam a surgir mais possibilidades — avalia Jacqueline Resch, sócia e diretora da Resch RH.

 

Para conseguir dar conta de tantas tarefas, o empresário Arnaldo Neto diz que é fundamental ter organização e um objetivo bem definido:

 

— O meu caminho foi abrir a empresa e, a partir daí, as coisas aconteceram. Ter focos múltiplos no começo da carreira pode ser um tiro no pé.

 

Paulo Sardinha, coordenador do CBA Gestão de Recursos Humanos do Ibmec e Presidente da ABRH-RJ, concorda. Para o especialista, as múltiplas carreiras são uma tendência no mundo atual, mas é importante que o profissional saiba não perder o foco.

 

— Hoje, o mercado já entende melhor essas mudanças de rotas e as enxerga como um aspecto de multidisciplinaridade, que é um fator valorizado nos candidatos. Porém, é preciso que haja alguma coerência e consistência entre as coisas que esse profissional faz ou já fez — destaca Sardinha, que acha que um currículo com duas carreiras já é uma realidade e que três ou mais podem se tornar mais comuns nos próximos anos.

 

Para a médica e advogada Juliane Musacchio, de 39 anos, que é diretora do Instituto COI, o gap de gerações não pesou. Com o exemplo do pai, que se formou em direito, ciências contábeis e administração, ela concilia o atendimento no consultório, um cargo de gestão e palestras e aulas que dá em congressos e eventos. Na adolescência, deu aulas particulares e, durante a faculdade, atuou fazendo a tradução de textos científicos.

 

— Os caminhos vão se abrindo e você vai trilhando a sua trajetória. Tem momentos em que será necessário fazer escolhas — diz Juliane, que foi estudar direito como hobby. — Mas o curso complementou a minha formação.

 

O MULTIPROFISSIONAL E SEUS PERFIS

 

Aos 35 anos, Luciana Wellisch está atualmente em sua quarta carreira: formada em desenho industrial, ela começou atuando como designer de joias, depois foi trabalhar com design gráfico em uma empresa e, nesse meio tempo, atuou também como cerimonialista de casamentos. Há três meses, ela deixou o emprego para se dedicar à carreira de cake designer, fazendo bolos e doces decorados.

 

— Hoje não faço mais joias, apenas as de açúcar. Mas, parando para pensar, está tudo interligado: as experiência anteriores foram muito importantes para que eu pudesse me encontrar, hoje. Uni tudo o que vivi para focar em uma coisa só a partir de agora — conta ela, que usa suas habilidades como designer de joias na hora de confeccionar flores e outros detalhes em açúcar. — Além disso, ter a visão de design traz um novo olhar para os bolos, e o design gráfico continua presente, pois eu que desenvolvi a minha marca e identidade visual, por exemplo.

 

Para a vice-presidente da SBCoaching, Flora Victoria, Luciana está fazendo o caminho correto quando de trata de ter múltiplas carreiras — no caso dela, o hobby que tinha de cozinhar e fazer doces acabou se tornando uma nova ocupação.

 

— O recomendado é a pessoa se dedicar à profissão atual e procurar usar todas suas forças e talentos nela, assim encontrará satisfação e terá 100% de foco. As demais carreiras poderão vir de um hobby ou até da evolução natural da atual — destaca Flora Victoria, da SBCoaching.

 

uma geração que antecipa conquistas

 

O que também tem se tornado mais frequente é a migração de carreiras dentro de uma mesma empresa — e aí entra o papel da companhia, de identificar essas necessidades do funcionário, os ganhos que a mudança pode trazer para os negócios e permitir a troca de rota.

 

— Acontece bastante de, ao longo da carreira, o profissional ir descobrindo novos interesses, que a própria empresa também pode ajudar a identificar — aponta Jacqueline Resch, sócia e diretora da Resch RH, que vê ainda um aumento da liberdade para que um profissional possa migrar de áreas, seja dentro de uma organização ou não. — Antes, as pessoas estavam muito comprometidas com suas escolhas “para sempre”. Hoje, há mais flexibilidade.

 

Paulo Sardinha, coordenador do CBA Gestão de Recursos Humanos do Ibmec e presidente da ABRH-RJ, vê também uma geração que consegue antecipar suas conquistas:

 

— Hoje, também vemos profissionais com menos de 30 anos que já ocupam cargos gerenciais ou passaram para um bom concurso público, estando mais estabelecidos e, por isso, conseguem fazer mudanças ainda jovens, abrindo um negócio próprio, por exemplo.

 

Por outro lado, a geração que tem mais de 50 ainda encontra vitalidade para permanecer no mercado do trabalho e, em muitos casos, decide procurar novos caminhos.

 

— Há também aquelas pessoas que estão se preparando para ingressar em uma carreira que realmente as satisfaça, aproximando-se daquilo que elas realmente gostam de fazer na vida — destaca o presidente da ABRH-RJ.

 

E, naturalmente, enquanto a mudança de paradigma da geração que tem acima de 50 anos ainda é mais lenta, para a geração Y ter diversas carreiras é considerado como algo normal.

 

— A questão é que eles não conseguem se concentrar e focar profundamente em apenas um trabalho, precisam ser multitarefa, de multiobjetivos, e isto pode ser prejudicial, pois acabam não se especializando e correm o risco de não encontrar satisfação no processo de desenvolvimento — ressalva Flora Victoria.

 

cuidados ao elaborar o currículo

 

E na hora de se candidatar a uma vaga de emprego, qual é a melhor forma de o multiprofissional relatar todas essas experiências diversas sem assustar o recrutador?

 

— É aconselhável colocar no currículo a experiência e os cursos atrelados à vaga em questão. Porém, a experiência profissional em áreas ou carreiras diferentes também podem agregar valor, dependendo da posição — acredita a a vice-presidente da SBCoaching.

 

Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/emprego/carreira-unica-ja-nao-satisfaz-13305445

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